A ideia de paganismo de Adam
de Bremen em suas Gesta Hammaburgensis*
Adam of Bremen's Idea of Paganism in his Gesta
Hammaburgensis
Lukas Gabriel
Grzybowski
Universidade de São
Paulo, Brasil
lukas.gabriel.grzybowski@usp.br
Resumen
O
presente artigo aborda um problema central no estudo da cultura escandinava no
período que antecede sua introdução à dinâmica histórica da Europa Cristã, no
século XI, a saber, o caráter das suas práticas religiosas. Seu objetivo, no
entanto, restringe-se à investigação da percepção que o cônego e historiógrafo
Adam de Bremen registra em suas Gesta Hammaburgensis, e dos ideais
subjacentes à representação oferecida por este. Para tanto, faz-se uso dos
princípios metodológicos da Vorstellungsgeschichte. Os resultados
apontam assim para alguns dados distintos dos predominantes na academia e
levantam algumas questões centrais na abordagem dos relatos acerca da
religiosidade “viking”.
Palabras clave: Paganismo - Adam de Bremen - Vikingos -
Cristianización
Summary
The
present paper deals with a central problem to the study of Scandinavian culture
in the time before its entrance in the historical dynamics of Christian Europe,
in the 11th century, that is, the character of its religious practice. Its
objective, however, confines itself to the investigation of Adam of Bremen’s
perceptions and the underlying ideas present in its portrayal in the Gesta
Hammaburgensis. For this end, this paper follows the methods proposed by
the Vorstellungsgeschichte. The results show certain data that differ
from some prevalent views on the issue and raise some questions in the approach
to the accounts of “Viking” religion.
Keywords: Paganism - Adam of Bremen - Vikings - Christianisation
Recibido: 01/03/2016
Aceptado: 20/05/2016
O trabalho de investigação acerca da religiosidade dos povos nórdicos no
período que antecede a cristianização e a consequente integração da
Escandinávia na dinâmica política, social e cultural do continente Europeu na
Alta Idade Média permanece bastante controverso (Hultgård, 2008). Diversas
perspectivas e abordagens marcam os debates em torno das práticas que comumente
se consideram parte do “paganismo”1
nórdico. E em grande medida as divergências têm sua origem em dois elementos.
Por um lado, na disparidade entre as informações que se encontram nos
diferentes suportes sobre os quais as investigações se baseiam, que apontam
para dados por vezes diametralmente opostos quando tratam da religião nórdica
pré-cristã. Anders Winroth apontou rapidamente para tal problema ao abordar os
estudos sobre a cristianização da Escandinávia na Idade Média. Para o autor “(t)o combine the two kinds of source material [fontes
escritas e arqueologia] successfully is, thus, difficult”, acrescentando que o
historiador que trabalha com base em fontes escritas enfrenta ainda o problema
de uma “agenda that must be deconstructed before one may start using it as a
source.” (Winroth, 2012, p. 104).2
Com essa afirmação, Winroth apresenta a segunda origem de divergências nas
interpretações das práticas religiosas dos povos nórdicos, a saber, a constante
presença de uma perspectiva retroativa no tratamento das informações fornecidas
pelas fontes, sejam elas escritas ou materiais. A própria denominação do
conjunto de práticas religiosas escandinavas a partir da terminologia cristã –
paganismo, culto pagão – aponta para as distorções que estão profundamente
arraigadas de modo geral no subconsciente cultural do ocidente de tradição
judaico-cristã, e que se permite muitas vezes infiltrar nos trabalhos
acadêmicos. Soma-se a esse aspecto uma tendência a considerar as práticas
religiosas nórdicas enquanto uma unidade cultual oposta à grande referência
europeia no medievo, o cristianismo. Em suma, como coloca Hultgård em sua
visão geral a respeito da religião escandinava, “(o)ur
knowledge of ancient Scandinavian religion is thus primarily based on sources
that have passed through the intermediary of medieval Christian culture”,
oriundas de uma época, na qual “a process of decisive religious and cultural
change was already going on.” (Hultgård, 2008: 212).
Sobre tais proposições iniciais baseia-se a presente
contribuição. Ela se orienta sobre o problema fundamental à investigação
histórica, qual seja, a possibilidade de se conhecer aquilo que se pretende a
partir dos materiais escolhidos para a investigação. Neste caso específico, se
é realmente possível conhecer a religião nórdica pré-cristã a partir da análise
das (poucas) fontes escritas de tradição latina, compostas entre os séculos IX
e XIII, via de regra por autores cristãos, muitos dos quais clérigos envolvidos
no próprio processo de cristianização, que abordam tal temática.
No presente artigo tal discussão será realizada
através de uma obra em específico, composta no século XI pelo cônego de Bremen,
Adam, no intuito de registrar e promover a ação cristianizadora da diocese na
qual atuava. O trabalho procura identificar como Adam percebe o paganismo, como
ele o caracteriza e como ele cria uma representação desse paganismo em sua
história da diocese de Hamburg-Bremen. Desse modo, a proposta intenta
reconhecer as perspectivas de Adam, e se concentra, por conseguinte, sobre suas
concepções a respeito do paganismo. Não se trata então de uma análise do texto
do cânone de Bremen que busque encontrar “um passado como ele realmente
aconteceu” – remetendo ao tema rankeano –, uma descrição objetiva e isenta, uma
reconstrução da religião pré-cristã, mas sim, que busque compreender o que para
Adam de Bremen é o paganismo.3
A forma de aproximação e tratamento do tema e da fonte se vincula, desse modo,
necessariamente à história das ideias, pois o resultado da análise não responde
à questão sobre “o que é o paganismo” senão sob o condicionante do autor da
fonte. De maneira direta, o que se propõe é então saber “o que é o paganismo
para Adam de Bremen”, ou formulado de outra maneira, “quais as ideias de Adam
de Bremen a respeito da religião nórdica pré-cristã durante o processo de
cristianização da Escandinávia”. Uma história das ideias, mas a partir de uma
perspectiva singular, distinta tanto da history of ideas, quanto da intelectual
history, ou mesmo de uma histoire des mentalités e de uma Geistesgeschichte.
O presente trabalho se orienta sobre as propostas definidas por Hans-Werner
Goetz, denominadas Vorstellungsgeschichte (Goetz, 1979, 2013).
O presente artigo se divide em três partes principais.
Inicialmente será apresentado um panorama sobre a religião nórdica pré-cristã,
na forma como ela é vista hoje entre os especialistas. Em seguida o trabalho
passará à análise das Gesta Hammaburgensis ecclesiae Pontificum,
de Adam de Bremen (Adam de Bremen, 1917a), onde se buscará identificar os
elementos que constituem e caracterizam a religião nórdica pré-cristã nessa
fundamental fonte acerca da Escandinávia medieval e seu processo de integração
ao continente europeu. Por fim serão apresentadas as conclusões em forma
comparativa, levando em consideração, por um lado, a posição dos pesquisadores,
por outro lado, as ideias de Adam de Bremen. Com isso intenta-se abrir novas
perspectivas sobre o problema da religião escandinava na era pré-cristã,
especificamente no período imediatamente anterior à adoção oficial do
cristianismo nas regiões nórdicas.
A visão moderna sobre a
religião escandinava pré-cristã
Em sua obra clássica sobre a Escandinávia na chamada
Era Viking, Else Roesdahl dedica algumas páginas para tratar de maneira concisa
da religião praticada nas regiões nórdicas no período que antecede a introdução
do cristianismo. Sua característica fundamental seria seu cunho tolerante,
derivado do caráter politeísta e aberto a novas divindades, assim como novos
rituais religiosos, presentes na religião nórdica (Roesdahl, 1998: 149). Uma
série de divindades organizadas hierarquicamente compunha o panteão nórdico, e
os deuses correspondiam em grande medida àqueles cultuados por outros grupos
germânicos (Sawyer, 1982: 131). Todo o sistema religioso em torno do panteão
parece obedecer a uma lógica de similaridade por reflexo às estruturas
socioculturais da Escandinávia. Assim, as divindades são antropomorfas, seus
traços de personalidade e suas ações seguem padrões similares aos humanos, e os
deuses, assim como os homens, estão sujeitos à ação do destino – controlado
pelas nornir, divindades ligadas ao destino, análogas às moirai
gregas (Roesdahl, 1998: 149-152).
O conhecimento a respeito do culto às divindades na
prática cotidiana dos povos escandinavos permanece bastante fragmentário. As
ênfases dadas a cada divindade parecem ter variado muito, tanto numa
perspectiva espacial, quanto temporal, como Stefan Brink propôs recentemente
(Brink, 2007). Ainda assim é possível observar certos padrões, de modo que o
culto a Odin aparece predominantemente na Dania e Gothia,
enquanto nas regiões da atual Noruega e nas ilhas ocupadas por escandinavos no
Mar do Norte e no Atlântico Norte predominam referências ao deus Thor (Sawyer,
1982: 131) e (Roesdahl, 1998: 150). Outras divindades eram igualmente
reverenciadas, embora ambos, Odin e Thor, tivessem maior popularidade. Assim,
Frey e Freyja, divindades ligadas à fertilidade e ao prazer são referidos em
todas as partes da Escandinávia, sobretudo no que parece ter sido uma forma de
culto ou rito privado, no qual figuravam também as dísir (Roesdahl,
1998: 151-152). Em relação às práticas rituais em si há pouca evidência direta,
sendo que grande parte das informações são sugeridas, ainda com certa
incerteza, a partir de vestígios arqueológicos (Andrén, 2013).4
Sabe-se que a prática religiosa era descentralizada e que rituais eram levados
a cabo de acordo com regras e costumes locais. De modo geral, as práticas eram
conduzidas pelas elites locais no caso de ritos públicos, mas admite-se que na
prática cotidiana os ritos tinham um caráter privado – considerando-se suas
especificidades –, individual ou familiar (Roesdahl, 1998: 152 e segs.).
Os trabalhos de Roesdahl e Sawyer constituem dois
clássicos manuais sobre a chamada Era Viking. As limitações apresentadas por
tais trabalhos são evidentes, ainda que se devam primordialmente à natureza das
obras, e não à sua qualidade. Trabalhos mais recentes, como a coletânea
organizada por Stefan Brink e Neil Price, The Viking World, seguem o mesmo
modelo de visão enciclopédica, não obstante o fato de coligir uma série de
estudos específicos permita um maior aprofundamento. Ao tratar a religião
nórdica pré-cristã, de maneira introdutória, Anders Hultgård indica algumas
singularidades e revisões em relação aos trabalhos anteriores. Em contraste com
a interpretação de Roesdahl, Hultgård identifica como singularidade da religião
nórdica pré-cristã o fato de ela ser não-doutrinal, uma religião comunitária
(Hultgård, 2008: 212), muito mais que uma religião tolerante – retomando o
termo usado por Roesdahl. Essa perspectiva é explorada com mais detalhe por
Jens Peter Schjødt ao tratar as diferentes formas religiosas que se opõe no
embate entre cristianismo e paganismo durante o processo de cristianização da
Escandinávia. Para Schjødt tratam-se de religiões organizadas em torno de
princípios e visões de mundo distintas, e, portanto, incompatíveis. A religião
nórdica assume nesse contexto a caracterização de uma “religião popular” (folk
religion) em oposição ao cristianismo, que seria uma “religião universal” (universal
religion) (Schjødt, 2014: 266). A tese, que não é de Schjødt, embora ele a
utilize para trabalhar as tensões entre as religiões durante a expansão do
cristianismo na Escandinávia, aponta para o fato da religião nórdica ser
comunitária, descentralizada e não dogmática. Uma religião popular está mais
diretamente integrada nas práticas culturais cotidianas e restringe-se, por
conseguinte, a um determinado grupo. Nesse sentido, essa forma de manifestação
religiosa se vincula precipuamente à vida prática, em oposição às religiões
universais, que estariam preocupadas com o além (Schjødt, 2014: 266-267). Segundo
Hultgård isso se traduz no fato de que “(r)eligion was strongly integrated with
social life, warfare and subsistence activities, and this means that religious
elements can be expected to occur within the total range of Viking Age culture
and society” (Hultgård, 2008: 212).
Em decorrência de sua constituição a religião nórdica
provavelmente se organizava em diversos níveis, sendo que haveria um consenso
em relação aos mitos centrais e ao panteão dos deuses, ao mesmo tempo em que,
para os indivíduos, a prática religiosa se restringiria à relação com algumas
divindades, ou mesmo somente um deus, considerado especialmente importante, o
que era culturalmente e socialmente definido, gerando a grande diversidade
cultual observada pelos pesquisadores (Hultgård, 2008: 213). Hultgård aponta,
com isso, para a possível predominância de práticas religiosas privadas, em
oposição a ritos públicos, enfatizando ainda a existência de uma interação
direta entre o indivíduo e a divindade – análoga aos conceitos modernos de
piedade ou religião individual –, representada por expressões de amizade e
confidência (Hultgård, 2008: 213). Os elementos unitários da religião nórdica
representam os mitos, em oposição às práticas individuais, pouco documentadas,
e na ausência de uma doutrina dogmática, celebrados através dos rituais
religiosos e transmitidos através da poesia, historiografia e cultura material
escandinava (Hultgård, 2008: 214-215). Nota-se aqui uma mudança de foco,
ou uma maior especificação do papel da mitologia dentro do sistema religioso
escandinavo em relação aos trabalhos de Roesdahl e Sawyer.
A questão dos rituais merece uma especial atenção do
pesquisador moderno. Se a mitologia e o panteão nórdicos estão relativamente
bem documentados pelas fontes escandinavas e continentais, tanto cristãs quanto
anteriores à religião monoteísta, o mesmo não se pode dizer sobre os ritos
religiosos (Andrén, 2013: 31). Para Hultgård, “(i)nformation on Scandinavian public ritual is scanty since
this sort of religious expression was among the first things to be abolished
when Christianity was introduced” (Hultgård, 2008: 215).
Olof Sundqvist trata do problema dos rituais,
especialmente no contexto funerário em seu verbete no Reallexikon der
Germanischen Altertumskunde. Após uma breve apresentação em relação aos
problemas interpretativos e das formas de se adquirir informações sobre os
rituais – religiosos ou não, conquanto, se considerarmos as afirmações de
Hultgård, tal distinção perde seu sentido – Sundqvist se detém sobre aqueles
rituais que são mais bem documentados, seja textualmente, ou arqueologicamente.
Através da análise das práticas funerárias acredita-se ser possível recuperar
alguns componentes presentes na crença religiosa das populações nórdicas.
Assim, o depósito de bens de valor, por exemplo, presente tanto nos ritos
envolvendo a inumação, quanto nas cremações, apontam para a crença – ainda que
vaga (Haywood, 1995: 26-27) – em uma vida após a morte, onde tais bens
serviriam ao falecido (Sundqvist e Kaliff, 2003: 36-38). Contudo,
conhecimentos mais específicos da relação entre o universo religioso e as
expectativas ligadas a ritos funerários permanecem bastante especulativos, uma
vez que a grande diversidade ritual, atestada pelas investigações de vestígios
funerários, não permite senão um quadro variando entre extremos, entre o
conhecimento bastante genérico e o muito específico, singular, ligado ao estudo
de caso (Price, 2008: 257; Sundqvist e Kaliff, 2003: 36-38; Ferguson,
2010: 29 e 35).
Finalmente, em se tratando de questões envolvendo os
rituais da religião nórdica é preciso apontar, ainda que de maneira
superficial, para o problema do siðr. Não há unanimidade quanto ao
significado de siðr. Enquanto a maioria dos trabalhos aponta para uma
identidade entre siðr (forn siðr) (Brink, 2013: 253, 2001:
85; Raudvere, 2008) e a religião pré-cristã, a tradução do termo, costume
antigo, aponta para uma semântica mais aberta, como sugere Sundqvist em seu
respectivo verbete (Sundqvist, 2003). Régis Boyer é bem enfático nesse
sentido. Para ele,
Que
l’on sache, la «religion» nordique ancienne – terme lui-même incongru, la
langue ne connaissant qu’un vocable, sidr : pratique, coutume, rites à la
rigueur, mais ne disposant d’aucun mot pour rendre notre «religion» – ne
connaissait ni dogmes, ni doctrine cohérente, ni «caste» de prêtres ayant subi
une initiation donnée, jouissant de prérogatives sacrées ou détentrice d’un
savoir ou d’un pouvoir ésotériques (Boyer, 1992: 194)
Siðr é, nesse sentido, não a religião, ou seja, não
se trata do “paganismo” escandinavo em si, mas no conjunto de práticas, dentre
elas as associadas aos rituais cultuais identificados com a religião nórdica. A
referência ao termo siðr nos textos nórdico encontra-se já nos textos poéticos
eddaicos e escaldicos, assim como nas sagas e na legislação (Sundqvist, 2003:
273). Assim, não parece possível reduzir o siðr à religião nórdica, por
um lado. Por outro, contudo, como Sundqvist atesta, “In the Old Norse texts, the concept siðr covers a
variety of activities, which may be described as relig., moral, traditional,
customary and legal, etc. There are no clear boundaries between these
categories of activities, since religion in ancient Scandinavia was integrated
into other societal and cultural aspects. […] Like siðr, modern concepts
of ritual may be applied in both relig. and nonrelig. contexts”
(Sundqvist, 2003: 276).
A apresentação dos temas mais trabalhados e das
posições correntes entre os estudiosos da religião nórdica pré-cristã demonstra
algumas lacunas fundamentais, pouco exploradas pelos trabalhos. Em artigo
recente, James Palmer lança uma forte crítica aos (pre)conceitos atrelados ao
estudo do conjunto de práticas religiosas relacionadas ao paganismo na era
carolíngia. Palmer aponta, contudo, para um elemento central no trabalho com as
práticas religiosas pré-cristãs: o fato de elas aparecerem quase exclusivamente
em textos ‘romanizados’ (Palmer, 2007: 405). E Palmer aponta
ainda, de maneira muito pertinente, que “‘Paganisms’
were thus not so much coherent rival religions to the Franks, as the antithesis
of Christian practice itself” (Palmer, 2007: 404). Tal princípio
orienta o presente trabalho. Não é possível, a meu ver, considerar as práticas
religiosas existentes enquanto ‘paganismo’ a não ser em contexto estrito, de
oposição entre a religião cristã e as práticas a que esta se propõe a suplantar
entre a antiguidade e o medievo. Como Hans-Werner Goetz aponta em um trabalho
preciso a respeito do tema, o ‘paganismo’, em sua acepção moderna, somente com
dificuldade pode ser transposto à percepção medieval e antiga. Também nesse
estudo os conceitos pagani, gentiles, infideles, ethnici,
fanatici e profani são compreendidos somente em relação ao seu
antagonismo diante do cristianismo que se pretende propagar (Goetz,
2013: 31 e segs.).
Como então falar sobre as práticas religiosas
anteriores ao cristianismo? É preciso definir os níveis de análise para que se
possa alcançar uma visão adequada do passado. Um desses níveis é o que Goetz
investiga em seu estudo a respeito das religiões na Idade Média. Trata-se de
enfocar a percepção que os próprios autores medievais apresentam em relação às
demais religiões, e inserir tais visões de alteridade no âmbito da formação da
própria identidade cristã no período. Partindo de tal perspectiva se torna
pertinente falar, por exemplo, de paganismo ao tratar de práticas religiosas
não-cristãs. É o que Adam de Bremen faz em seu relato a respeito da história da
arquidiocese de Hamburgo-Bremen.
O Paganismo nas Gesta
Hammaburgensis Ecclesiae Pontificum de Adam de Bremen
Adam de Bremen se identifica como “proselitus et advena” (Adam de Bremen,
1917a: 1) no prólogo de suas Gesta. Com isso ele indica
indiretamente sua origem, ou seja, afirma não ser natural da diocese de
Hamburgo-Bremen, sobre a qual escreve. Seu próprio nome é mencionado somente
por Helmold de Bosau em sua Chronica Slavorum, onde consta que o mestre
Adam escreveu as Gesta Hammaburgensis (Helmold de Bosau, 1937: 30).
Assim, supõe-se que Adam tenha sido chamado a Bremen, vindo de outra região da
atual Alemanha, e que tenha atuado não somente como membro no cabido, mas
também como mestre na escola catedrática. Tal função assumiu antes de meados
1069, quando aparece em um diploma episcopal como testemunha (CI,
1842: 97). Adam chega a Bremen em 1066/67, como ele mesmo informa (Adam de
Bremen, 1917a, III. 4: 146), tendo sido convidado pelo arcebispo Adalbert
(1043-72). A data de sua morte é incerta. Seguramente antes de 1085 e em um 12
de outubro, como indica o Dypticon Bremensis (Mooyer, 1835: 304).
Pouco após sua chegada a Bremen, Adam inicia seu
trabalho de composição das Gesta Hammaburgensis. Como o autor mesmo
indica, trata-se de uma espécie de esforço compensatório, que justifique seu
chamamento à diocese de Bremen (Adam de Bremen, 1917a: 1). Uma primeira versão
da obra foi concluída provavelmente em torno do ano 1076, a qual forma a base
da edição moderna na MGH.5 Tal manuscrito é dedicado ao
arcebispo Liemar, sucessor de Adalbert na diocese de Hamburgo-Bremen. Todavia,
Adam trabalhou em seu texto ainda até ao menos 1080/81, como indicam as muitas
notas explicativas e scholia adicionadas pelo próprio Adam ao texto
inicial (Adam de Bremen, 1917b, VII–LII). O texto está organizado em quatro
livros que narram os acontecimentos desde o período de fundação da diocese de
Bremen até os tempos de Adalbert (I-III), assim como descrevem os territórios
da atual Escandinávia (IV).
Adam de Bremen segue um projeto bem definido em suas Gesta.
Ele informa que “considerou por muito tempo, através de que obra monumental
poderia ajudar (a restaurar) as exauridas forças da mãe (igreja)” (Adam de
Bremen, 1917a: 1).6 O cânone bremense compõe seu relato
num duplo sentido: por um lado pretende legitimar a reivindicação de primazia
da diocese de Hamburgo-Bremen no espaço nórdico no que concerne tanto a
organização eclesiástica – o governo sobre a investidura de cargos
eclesiásticos, mas também a administração de bens que se subentende –, ameaçada
pela constituição de arquidioceses nos reinos da Dinamarca, Noruega e Suécia,
quanto à legatio aos povos nórdicos e eslavos, frente às investidas
anglo-saxãs. Por outro lado, o magister, através de uma perspectiva
‘educativa’ contida em sua obra (Goetz, 2006: 23-26), pretende alertar
tanto ao arcebispo de Hamburgo-Bremen, quanto às demais autoridades
eclesiásticas e laicas sobre o ainda incompleto dever perante os povos
escandinavos, atraindo, juntamente com a atenção para tal problema, renovado
prestígio para a diocese, diminuída, na visão de Adam, por seu relaxamento
diante da legatio (Goetz, 2006: 26 e segs.). É preciso ter este quadro
geral das intenções de Adam com sua obra para que se alcance uma compreensão
adequada da visão de Adam a respeito do paganismo nórdico7
e sua função na narrativa histórica.
Adam de Bremen apresenta o paganismo e os pagãos de
modo negativo em sua obra, uma postura esperada, considerando-se a tarefa
assumida pelo cônego em sua escrita histórica, qual seja, enaltecer o trabalho
de cristianização levado a cabo pelos bispos da diocese na qual reside.
Cristianismo e paganismo se configuram na narrativa enquanto elementos
identitários de dois grupos em contato. O cristianismo representa nesse
contexto a identidade própria, o seguro, o conhecido; enquanto o paganismo
assume o papel de estrangeiro, inacessível, bárbaro (Scior, 2009; Fraesdorff,
2005). Restringir-se a tal quadro genérico e, de certo modo, aplicável a
diversas realidades e a diversos autores medievais lidando com o problema das
religiões não-cristãs pouco acrescenta ao conhecimento a respeito das
singularidades do espaço cultural escandinavo e como este foi recepcionado e
significado por autores cristãos do continente.8
Olhando de maneira detalhada alguns exemplos9
presentes na obra será possível levantar dados que permitam a elaboração de uma
representação adequada do paganismo de acordo com a perspectiva de Adam de
Bremen.
A primeira caracterização de ritos pagãos que é
encontrada nas Gesta Hammaburgensis de Adam de Bremen não se refere aos
povos escandinavos, mas sim aos saxões. Todavia, o trecho aponta para aspectos
fundamentais da construção dos topoi da retórica do cônego em relação ao
paganismo, e como sua percepção se conecta a temas característicos da
historiografia clássica e medieval. Apoiando-se na descrição de Tácito,
transmitida através da Translatio S. Alexandri (Rudolf e Meginhart,
1829), Adam afirma que:
eles (os
saxões) adoravam àqueles, os quais naturalmente não eram deuses, dentre os quais
em especial a Mercúrio, a quem em determinados dias inclusive realizavam
sacrifícios humanos. Consideravam que seus deuses, por conta de sua grandeza e
dignidade celestes, não deveriam ser nem mantidos em templos, nem representados
em alguma forma humana; consagrando florestas e bosques e nominando com nomes
divinos aqueles secretos que somente com reverência podiam ser contemplados.
Auspícios e sortes observavam deveras. O costume das sortes era simples.
Dividiam em gravetos um galho removido de árvore frutífera, e a estes, marcados
com alguns sinais distintos, espalhavam temerária e fortuitamente sobre um
tecido branco. Então, se a consulta fosse pública, o sacerdote daquele povo, se
a consulta fosse privada, o chefe da família, rezava aos deuses e olhando aos
céus apanhava cada um (graveto) três vezes, e interpretava aos (gravetos)
apanhados segundo os sinais (nestes) anteriormente assinalados. Se proibissem
(os auspícios), não era feita consulta sobre a mesma coisa no mesmo dia; se
fosse permitido (favorável), era ainda esperada a confirmação dos sucessos.
Era (também)
próprio daquele povo (saxões) interrogar o vôo e os cantos das aves. De mesmo
modo, observavam os presságios dos cavalos e verificavam seus movimentos, seu
relinchar e seu bufar. Nenhum outro auspício atraía maior fidelidade, não
somente entre o povo comum, mas também em meio à nobreza. Havia também outras
formas de observação de auspícios, através das quais costumavam descobrir os
resultados de batalhas importantes. (...) De que modo (...) creriam e
observariam outras inumeráveis formas de superstições vãs, com as quais estavam
envolvidos, eu omito. Essas coisas pois certamente relembrei, a fim de que o
leitor prudente reconheça, de quão grande escuridão de erros pela graça e
misericórdia de Deus foram liberados, quando (ele) condescendeu guiá-los
através da luz da verdadeira fé ao conhecimento de seu nome. De fato, eles
eram, como quase todos os habitantes da Germânia, naturalmente selvagens, dados
ao culto de demônios e adversários da verdadeira religião; não consideravam
vergonhoso transgredir ou violar nem as leis humanas, nem a lei divina. Pois
apresentavam veneração tanto a árvores frondosas e a fontes (d’agua). De mesmo
modo, adoravam certo tronco de madeira de tamanho nada módico elevado ao alto a
céu aberto, chamado em sua própria língua Irminsul, que em latim (português)
diz-se coluna do universal, como se sustentasse a todas as coisas (Adam de
Bremen, 1917a: 8–9).10
Este extenso trecho apresentado por Adam ao início de
sua obra refere-se às práticas religiosas dos povos germânicos. Ele se refere
especificamente aos saxões e insere a descrição entre os eventos que conduziram
à conversão destes ao cristianismo, seguindo aos embates com o poder carolíngio
e o esforço evangelizador de personagens como Winfrid (Bonifatius), Gallus,
Emmeram, Kilian, Willibrord e Willehad. Embora a passagem seja tomada da Translatio
S. Alexandri (Rudolf e Meginhart, 1829: 675 e segs.), sua
inserção na obra de Adam de Bremen denota a subscrição do autor a um
determinado modelo descritivo em relação às práticas religiosas não-cristãs. É
fundamental destacar tal característica a fim de que se possa realizar uma
interpretação adequada do significado do paganismo para o magister de
Bremen. Partindo desse pressuposto é igualmente justificável a abordagem do
trecho para análise como expressão das ideias de Adam, uma vez que o autor não
realiza nenhuma interferência no texto que transpõe à sua obra, como faz em
outros casos.11 Ainda que se possa fazer,
finalmente, ressalva quanto ao papel de autoridade desempenhado pelo autor da Translatio
sobre a escrita historiográfica de Adam – o cânone atribui o texto ao biógrafo
de Carlos Magno, Einhard –, mesmo nesse caso a apropriação integral do trecho
não seria justificada. Sobretudo diante do exemplo comparativo oferecido pelo
uso da Vita Anskarii (Rimbertus, 1884) nas Gesta Hammaburgensis.
A relação de Adam com a Saxônia de sua época foi
diversas vezes tematizada e constitui um dos principais elementos identitários
da obra, como Volker Scior recentemente analisou em detalhe (Scior,
2009: 38 e segs.). Ao mesmo tempo é preciso notar que Scior coloca em questão
investigações prévias, que buscavam identificar em Adam até mesmo um
‘patriotismo saxônico’ (Scior, 2009: 78 e segs.). Consequentemente, a
justificativa para o constante recurso à descrição da Saxônia, seu espaço, povo
e história é encontrada no fato da diocese de Hamburgo, assim como a de Bremen,
constituir o centro da narrativa historiográfica de Adam. Segundo Scior, a
função desempenhada pela descrição da Saxônia e, sobretudo, pela narrativa da
conversão dos saxões exerce um papel fundador e legitimador da vocação
missionária de Bremen-Hamburgo. Tal dado se confirma, segundo a perspectiva de
Adam, através da indicação de Willehad, que havia atuado como bispo-missionário
entre os saxões, como primeiro bispo em Bremen, diocese fundada por Carlos
Magno após a conversão da Saxônia (Adam de Bremen, 1917a, I. 12: 14-17). Além
disso, fica evidente que a Saxônia de Adam se refere especialmente ao espaço de
sua diocese, quando o cânone aponta para Hamburgo como nobilíssima quondam
Saxonum civitas (Adam de Bremen, 1917a, I.1: 4). Como Scior aponta com
propriedade, confirma a hipótese de que a Saxônia assume um papel central na
obra de Adam somente na medida em que está posta sob a influência da
arquidiocese de Hamburgo-Bremen o fato de semelhante atenção ser dada pelo
historiador à Frísia, sob a autoridade da diocese de Bremen desde sua fundação.
Assim, é correto afirmar que Adam de Bremen apresenta uma consciência
(Bewusstsein) acerca da Saxônia, mas esta não ocorre na forma de um
‘patriotismo’, mas sim em uma expressão de pertença eclesiástico-administrativa
ligada a Hamburgo-Bremen (Scior, 2009: 81).
Retornando à caracterização dos ritos pagãos entre os
saxões segundo a apropriação de Adam do texto da Translatio, percebem-se
algumas características que marcam a obra do cânone bremense ao lidar com as
práticas religiosas não-cristãs. O magister inicia com a afirmação de
que os deuses germânicos não eram por natureza deuses. Tal afirmação se insere
em uma tradição que remonta aos textos polêmicos patrísticos, em especial à
obra de Agostinho de Hipona, que sugere que os deuses12
seriam na realidade demônios enganando os homens e se passando por deuses, ou
mesmo homens de um passado remoto, louvados por seus feitos como se fossem deuses,
como Isidoro de Sevilha aponta em suas Etymologiae.13
Mais que a referência a um locus communis do pensamento cristão, o
recurso ao motivo agostiniano aponta para uma característica central ao
pensamento evangelizador cristão e, por conseguinte, um argumento fundamental
para a legitimação dos interesses de Hamburgo-Bremen em relação ao norte
escandinavo. Certamente, no trecho acima Adam se refere aos saxões, e não aos Nortmanni,
mas o modelo lançado pela apropriação ao texto da Translatio fornece um
ponto de partida, um discurso legitimador, que autoriza ao cânone de Bremen e
justifica sua posição em relação às práticas não-cristãs presentes na
Escandinávia, assim como na própria região de Hamburgo-Bremen.
Adam de Bremen segue seu relato elencando uma série de
práticas associadas à religiosidade supostamente praticada entre os saxões, e
que se podiam encontrar igualmente entre os escandinavos. Em primeiro lugar são
mencionados os sacrifícios aos deuses, incluindo o sacrifício humano, que
ocorreria em determinados contextos específicos. Tal imagem é recuperada pelo magister
bremensis ecclesiae em outros trechos de sua obra, sendo o mais
conhecido, sem dúvida, sua descrição do templo de Uppsala, presente na Descriptio
insularum aquilonis. No scholion 138 (134) lê-se que nas
proximidades do templo de Uppsala haveria uma fonte (de água) onde seriam
realizados sacrifícios humanos14,
e no capítulo 27 Adam descreve um suposto ritual religioso praticado em Uppsala
a cada nove anos, no qual toda a população era obrigada a tomar parte,
inclusive os cristãos, e que constituía, em parte, no sacrifício de animais e
homens, que eram então pendurados em árvores em um bosque próximo.15
Segundo uma testemunha citada pelo cônego, em tal ocasião eram sacrificados
nove homens, juntamente com animais, totalizando setenta e dois corpos que eram
posteriormente pendurados no dito bosque sagrado. O local onde os corpos permaneciam
era tido por extremamente sagrado, o que aponta novamente para a descrição que
Adam oferece sobre os saxões no início de sua obra, que consagravam florestas e
bosques aos seus deuses. Ainda sobre o tema dos sacrifícios humanos, Adam
relata que na região da Estônia – que o magister equivocadamente
identifica como ilha no Báltico – a população local, pagã, adorava pássaros e
dragões, aos quais eram ofertados escravos comprados de mercadores, na forma de
sacrifícios humanos.16
Através desses exemplos fica explícita a ligação que
Adam de Bremen faz entre a prática de rituais de sacrifício, sobretudo o
sacrifício humano, e as diversas religiosidades não-cristãs de que tem
conhecimento. Para o autor das Gesta Hammaburgensis as ofertas
sacrificais constituem um elemento central do paganismo. Através de sua
descrição o paganismo se aproxima, ou mesmo é idêntico, à barbárie, cuja
característica primeira seria o desrespeito à lei natural17
– representada pelo holocausto humano. A tais práticas somam-se as demais
apontadas no caso dos saxões. A observação de auspícios e o lançamento de
sortes como meio de consultar os desígnios divinos.
Entre os saxões, como o trecho citado por Adam evidencia,
haveria uma prática simples de lançamento de sortes, a partir de gravetos
marcados e um ritual interpretativo de suas mensagens, levado a cabo tanto na
prática privada quanto pública. Para além dessa, o mesmo povo praticaria a
adivinhação através da observação de pássaros e do comportamento de cavalos. A
todas essas práticas o magister bremensis ecclesiae denomina
superstições vãs e as identifica com o culto ao demônio. Tal postura fica
aparente em outros trechos da obra, onde Adam trata da religiosidade não-cristã
e de suas práticas, tidas pelo autor das Gesta como desprezíveis
e bárbaras. Três breves exemplos parecem suficientes para ilustrar a posição do
cânone.
No livro I, ao narrar os feitos de Ansgar em sua
viagem a Birka, Adam narra, baseado no relato da Vita Anskarii, como a
assembleia organizada pelo rei Olaf autorizou a pregação do cristianismo e a
construção de uma igreja naquela localidade. Na ocasião foram lançadas sortes e
foram questionados os deuses (pagãos) acerca do pedido de Ansgar.18
A cena remete ao modelo de paganismo presente na concepção do magister scholarum,
em que dois elementos aparecem em destaque. Por um lado Adam reforça a ideia de
que todas as decisões tomadas pelos pagãos baseiam-se no lançamento de sortes,
em que esta prática é controlada, ou ao menos aponta para uma ação demoníaca, o
que se infere pela inserção da afirmação do autor sobre a ação da misericórdia
divina junto ao rei Olaf. Ligado a esta primeira característica está a conexão
criada por Adam entre o lançamento de sortes e a consulta aos ídolos, que
reafirma o caráter religioso-místico da prática condenada por Adam. Mais um
elemento, tocado pelo autor das Gesta, e que será abordado mais adiante,
é a indicação de que o governante sueco não teria um poder acima de seus pares,
com capacidade de definir individualmente sobre a ação de Ansgar em Birka.
Em sua descrição da Suécia no livro IV de sua obra
Adam retoma o tema da organização política e o associa à prática do lançamento
de sortes e de consulta de ídolos, aos quais ele chama demônios. O magister
relata que entre os suecos o poder do rei depende da vontade do povo, e tendo
este tomado uma decisão – por assembleia, subentende-se – o rei é obrigado a
segui-la, salvo em casos raros.19
Embora nesse trecho não haja uma menção direta ao papel do lançamento de sortes
ou de consulta aos ídolos, Adam acrescenta um scholion em sua primeira
versão nessa parte, onde afirma que, entre os suecos, nenhuma decisão é tomada,
seja privada ou pública, sem que se lancem sortes ou consultem as divindades.20
Ao fazer a inserção neste ponto Adam intenta reforçar a imagem apresentada no
início de sua obra em relação às práticas religiosas na Suécia, assim como
recuperar a conexão que ele sugere entre o modelo de organização
político-social dos suecos e sua relação com o paganismo. O magister
procura demonstrar, em certa medida, a ausência de uma premissa para o poder
real no espaço não-cristão, que seja análoga ao poder régio no contexto dos
reinos cristãos e sua retórica do christus domini. A ausência do
conhecimento fornecido pelo cristianismo em relação ao papel legitimador do
poder régio leva a uma realidade, na qual o rei precisa estar submisso às
decisões do povo. É, em suma, uma clara referência à alteridade do norte
escandinavo em relação ao contexto continental, no qual Adam se insere.
O terceiro exemplo nas Gesta Hammaburgensis de
Adam de Bremen encontra-se no relato acerca de Olaf Tryggvason e sua derrota –
resultando em sua morte – diante de Svein Barba-Bifurcada. Olaf aparece na
historiografia contemporânea como um personagem central no processo de
cristianização da Noruega, tendo sido um dos primeiros reis a tentar promover a
substituição do culto tradicional pelo cristianismo em seus domínios na
Noruega. Todavia, o magister scholarum apresenta um quadro bastante
distinto ao mencionar o governante norueguês. Adam escreve que Olaf, tido por
muitos como cristão, ainda assim se orientava através da interpretação de
auspícios e do vôo de aves, e colocava sua esperança nos resultados das sortes.
Além disso, segundo o cânone, Olaf viveria cercado de mágicos, cujas
orientações enganosas seriam a origem de sua ruína.21
A despeito da veracidade do relato de Adam de Bremen – sua narrativa se destaca
negativamente entre as demais notícias contidas nas fontes que abordam o
governo de Olaf Tryggvason – o que merece atenção na presente análise é a
caracterização das práticas religiosas às quais o governante supostamente
aderia e que justificariam tanto a dúvida quanto ao seu cristianismo quanto à
sua qualidade enquanto rei da Noruega. Novamente os elementos apontados pelo magister
bremensis ecclesiae em relação ao paganismo dos saxões são apresentados
como próprios igualmente aos escandinavos no período que antecede o triunfo da legatio
evangelizadora no espaço nórdico. A confiança no lançamento de sortes e a
interpretação dos vôos das aves marcam, para Adam de Bremen, aquilo que ele
considera como paganismo.
Finalmente, é no capítulo seguinte ao aqui destacado,
que se completa a informação a respeito do paganismo de Olaf, pois ali o autor
das Gesta afirma que, com a morte do rei norueguês, Svein
Barba-Bifurcada assume o trono da Noruega – em adição ao seu governo sobre a
Dinamarca – e ordena imediatamente a conversão dos territórios conquistados,
após erradicar a idolatria na região.22
Pela oposição entre as ações de Olaf Tryggvason e Svein Barba-Bifurcada o magister
scholarum acaba resolvendo o questionamento que lançara no capítulo
anterior, em que se supunha persistir uma dúvida quanto ao cristianismo do rei
norueguês. Adam de Bremen deixa evidente qual a postura esperada de um
governante verdadeiramente cristão, a saber, o esforço para a difusão do
cristianismo através de sua força política. O autor das Gesta deixa isso
evidente na oposição entre Olaf e Svein, e aponta, com seu texto, novamente
para o caso da conversão dos saxões, levada a cabo por Carlos Magno, como Adam
faz questão de destacar com a transcrição do diploma de fundação do episcopado
de Bremen (Adam de Bremen, 1917a, I. 12: 14 e segs.). O imperador carolíngio é,
já no contexto em que Adam compõe sua obra, uma figura central na criação da
representação de governante cristão ideal.
Finalmente, um último elemento apontado por Adam de
Bremen em suas Gesta Hammaburgensis em relação aos saxões aponta para um
elemento central na concepção do cânone em relação aos ritos pagãos, a saber,
seu potencial enquanto espaço de expansão para o cristianismo. O anseio do magister
scholarum referente à conversão dos povos escandinavos fica evidente em
duas passagens do mencionado capítulo sétimo do livro primeiro de suas Gesta.
Ali, tomando o relato da translatio, Adam indica primeiramente que,
apesar de todas as suas práticas nefastas e seu espírito obstinado em relação
ao paganismo e às tradições míticas, os saxões vieram a se converter. E mais
que isso. Se considerarmos as já mencionadas identificações do cônego com a
Saxônia de seu tempo, ele não somente ressalta a possibilidade de conversão do
povo, mas aponta para o fato desse mesmo povo, uma vez cristianizado, poder
atuar ele mesmo como centro de irradiação do cristianismo. Das confusões
demoníacas de suas práticas religiosas anteriores, os saxões tornaram-se à
época de Adam, nos missionários para os povos escandinavos par excellence.
Ou é esta a perspectiva assumida pelo magister bremensis ecclesiae em
sua obra.
A isto se soma a afirmação derradeira de Adam no
capítulo aqui analisado em maior detalhe. Em frase de própria autoria, o cônego
de Bremen afirma que sua opção por apresentar o excerto do texto da translatio
– que ele erroneamente atribui a Einhard, como já mencionado – por conta dos
suecos e eslavos praticarem, até os dias do autor das Gesta Hammaburgensis,
similar ritu paganico.23
A partir de tal afirmação fica evidente o recurso comparativo utilizado por
Adam de Bremen na composição de suas Gesta, assim como se torna mais
claro o propósito das inserções dos textos da translatio na história dos
bispos de Hamburgo. O cânone faz uso do recurso justamente para apontar para um
projeto – seu projeto – para a evangelização dos povos escandinavos e eslavos.
Considerações finais
Em recente publicação, Hans-Werner Goetz aborda o problema da percepção
de outras religiões por parte dos autores cristãos da Idade Média ocidental
(Goetz, 2013). Dentre os grandes grupos que merecem a atenção de Goetz
encontram-se os pagãos. Paganismo refere-se no contexto medieval a todas as
formas religiosas não-cristãs, sendo especialmente, mas não exclusivamente, associado
às práticas religiosas politeístas. Por seu caráter amplo e impreciso, torna-se
difícil definir o que a Idade Média como um todo encara como paganismo. Tal
cenário vago transmitiu-se para a produção historiográfica moderna e sua
proposta de tipificação das práticas religiosas pagãs, de modo que se tornou em
grande medida um trabalho árduo precisar as práticas religiosas não-cristãs na
Idade Média sem incorrer em generalizações, em grande medida prejudiciais para
a compreensão das culturas do passado.
O problema se agrava ainda mais diante dos interesses
presentes nas diversas correntes de investigação moderna, em que, ao menos
desde o século XIX, figuram discussões opondo visões pró-cristãs e pró-pagãs em
torno do tema religioso. As investigações sobre práticas religiosas na
Escandinávia pré-cristã são nesse sentido exemplares. Observa-se de modo geral
a formação de dois grandes grupos ou correntes interpretativas que veem, por um
lado, na religiosidade nórdica uma expressão pura das práticas germânicas, que
se acentuam como forma de resistência a uma imposição político-cultural
romano-cristã sobre o espaço nórdico. Por outro lado, observam-se estudos que
enfatizam o papel decisivo da cristianização na Escandinávia como fator
essencial para o desenvolvimento técnico, político, econômico e social de uma
região vista como até então periférica, atrasada, violenta e caótica.
Embora se reconheça o valor da investigação dos traços
culturais germânicos, assim como das contribuições do processo de cristianização
para a formação da dinâmica singular que marca a história da Escandinávia na
Idade Média, tais perspectivas se aproximam do problema histórico a partir de
pressupostos ainda ligados a uma busca de uma “realidade” passada. Ignora-se
nesses casos em grande medida o papel que as ideias desempenham na formação do
conhecimento a respeito do real, presente ou passado; e se despreza, o que é
mais grave, em larga escala, as opiniões dos próprios sujeitos, agentes da
história que se procura investigar.
O presente trabalho buscou contornar o problema
apresentado por uma perspectiva investigativa factual ou estrutural, apelando
para as concepções presentes no pensamento do homem medieval em relação às
práticas religiosas não-cristãs. Nesse sentido, uma análise detida sobre
extratos específicos da obra de Adam de Bremen permite ao historiador se
aproximar das ideias apresentadas pelo próprio autor medieval em relação à
alteridade religiosa do norte escandinavo, diante do contexto cristão em que
ele mesmo está inserido. Com esse recurso, torna-se, em grande medida, possível
compreender as visões de mundo e concepções do autor medieval em relação aos
temas por ele tocados, ainda que obliquamente ou somente de maneira subjetiva,
de modo que se promove um enriquecimento do conhecimento contemporâneo em
relação ao passado. Trata-se de um enriquecimento, em última análise, não por
fornecer informações factual ou estruturalmente novas, mas sim por aproximar o
conhecimento contemporâneo às formas de interpretação da realidade do passado,
ao abordar as suas formas de pensamento.
Como foi possível demonstrar no caso das Gesta
Hammaburgensis de Adam de Bremen, através de tal perspectiva, centrada nas
concepções e ideias do autor medieval, questões problemáticas na investigação
históricas em relação à religiosidade praticada no território escandinavo
durante o período inicial da cristianização são deixadas de lado, a fim de
valorizar a perspectiva do homem medieval, que reflete, exemplarmente, como as
realidades foram percebidas, interpretadas e reproduzidas em seu período.
Questionar o conteúdo de verdade da exposição de Adam de Bremen em relação ao ritus
paganicus perde, dentro dessa perspectiva, seu sentido. O cônego – como
seus interlocutores – certamente acreditava no quadro apresentado nas Gesta
em relação às religiosidades não-cristãs, de modo que para o autor a verdade é
o apresentado, independentemente das suas contradições, exageros, projeções ou
fantasias.
O magister scholarum acredita de fato que na
série de práticas religiosas, míticas e mágicas, análogas, e não idênticas,
àquilo transmitido pela tradição eclesiástica e historiográfica sobre o assunto
se constitui o paganismo. Assim, não admira que sua caracterização do paganismo
escandinavo se aproxime dos quadros apresentados pelo De correctione
rusticorum de Martinho de Braga (Martinus Bracarensis, 1950), ou que sua
exposição tome o texto da translatio S. Alexandri (Rudolf e Meginhart,
1829) como base. Para compreender essas permanências no texto de Adam é preciso
ir além das posições tradicionais, que veem em tais permanências uma carência
de originalidade, dependência tipológica e literária das “autoridades”
patrísticas, ou até mesmo má fé do autor que, apoiando-se em textos consagrados
busca atestar a propriedade de sua própria argumentação, sem para isso realizar
um esforço argumentativo vinculado a posições originais do autor das Gesta.
Pelo contrário, é preciso admitir que, se Adam se apropria dos modelos
conhecidos porque concorda com os mesmos e entende que eles representam de fato
a realidade dos rituais pagãos, ou do ser pagão, e que uma descrição distinta,
a criação de novas categorias e representações das práticas religiosas
escandinavas é, por essa razão, irrelevante ou desnecessária.
A despeito dos resultados de investigações recentes
nos diversos campos de estudo a respeito da religiosidade praticada na
Escandinávia medieval foi possível demonstrar através da presente investigação
como para Adam de Bremen o paganismo constituía através de um modelo ritual uma
prática religiosa coesa, oposta ao cristianismo. Como tal prática estava ligada
a superstições e atitudes cotidianas, assim como ela pressupunha a existência
de espaços sagrados e uma hierarquia de honras, se não de cargos ligados à
prática religiosa. Por fim, a visão do cônego a respeito do paganismo é também
um reflexo de sua postura missionária, que vê na permanência de práticas
místicas tanto no território cristianizado, da diocese de Hamburgo-Bremen,
quanto nos espaços nórdico e eslavo-báltico um campo para a atuação
evangelizadora, que sustenta a base argumentativa de defesa dos interesses da
diocese à qual o magister serve.
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** O presente trabalho é parte de um projeto de pesquisa
pós-doutoral conduzido junto ao Departamento de História da Universidade de São
Paulo. O desenvolvimento do projeto é financiado pela FAPESP – Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, em conjunto com a CAPES, processo n.
2014/18018-6.
1 Em 13 de maio de 2016 tive a oportunidade de
participar de um Workshop organizado pela universidade de Utrecht sob a tutela
de Rob Meens e Elaine P. Farrell, a quem sou muito grato pelo convite. O
referido Workshop tratou da temática do paganismo na Alta Idade Média sob
diversas perspectivas, abordagens teóricas, disciplinas acadêmicas e materiais
de análise. Ali foi possível observar de maneira clara as diversas perspectivas
em torno do problema da definição de paganismo, das suas diferentes acepções
nas fontes medievais, assim como no âmbito das interpretações modernas desses
fenômenos. Somente alguns aspectos pontuais dessa discussão puderam ser
incorporados no presente trabalho. Espero, contudo, que estes apontem para os
novos caminhos a serem trilhados na investigação das religiosidades não-cristãs
na Alta Idade Média.
2 A afirmação
de Winroth é bastante problemática, a meu ver, pois, ao se referir a uma
“agenda” dos autores medievais, Winroth propõe, ainda que indiretamente, que os
referidos autores comungavam de uma forma de conspiração, cuja intenção seria
forjar um conhecimento distorcido, a fim de atingir determinado objetivo.
Winroth nega, desse modo, que os autores possam legitimamente crer nas
informações que transmitem, e que a forma como apresentam as suas informações
reflita não uma intenção de falsificação, mas, do contrário, os horizontes e
mentalidades de uma época, a qual é fundamentalmente distinta daquela própria
do investigador.
3 Aqui,
torna-se pertinente falar em “paganismo”, uma vez que para Adam de Bremen as
práticas religiosas das sociedades escandinavas constituem um paganismo, com
toda a carga de preconceitos atrelada ao termo.
4 Andrén
aponta para a escassez de referências textuais e a dependência da investigação
arqueológica para a investigação dos rituais no contexto da religião nórdica
pré-cristã Andrén (2013: 31).
5 Uma posição
contrária é apresentada por Anne K. G. Kristensen em seu trabalho de 1975, uma
revisão da edição de Bernhard Schmeidler na MGH, como informado por V. Scior
(2009: 32 e segs.). No presente trabalho, segue-se a posição de Schmeidler.
6 “cogitabam diu, quo laboris nostri monimento exhaustam
viribus matrem potuerim iuvare.”
7 Após a
discussão inserida acima pode parecer um tanto brusco falar em paganismo
nórdico nesse ponto. É proposital. Intento aqui indicar que não se trata de uma
interpretação daquilo que realmente foi – wie es eigentlich gewesen
(Ranke, 1824: VI) –, mas sim, daquilo que Adam tinha por verdadeiro.
8 A crítica
levantada por Goetz em seu recente estudo é contundente nesse sentido (2013).
9 Adam de
Bremen utiliza o temo “pagani” cinquenta vezes; “paganismus” aparece sete
vezes. Além desses termos é preciso considerar ainda o termo “gentes”, que
aparece trinta e sete vezes, e “gentiles”, que aparece dezesseis vezes.
Considerados apenas os termos mais diretos, Adam fala sobre pagãos e o
paganismo cento e dez vezes em seu texto. Por motivos evidentes, poderão ser
abordados somente alguns trechos mais significativos na presente análise.
10 Tradução livre.
11 Por exemplo,
nas inserções retiradas da Vita Anskarii o cânone bremense realiza
diversas alterações no texto original a fim de adequá-lo aos objetivos de sua
narrativa. Nestes casos, Adam exagera repetidas vezes os sucessos de Ansgar,
enquanto, por outro lado, minimiza os reveses sofridos pelo legado para os
povos escandinavos durante as suas tentativas de evangelização do norte
europeu. O tema é abordado em um trabalho meu, ainda não publicado, sobre as
leituras de Adam sobre a Vita Anskarii.
12 No caso
específico de Agostinho, os deuses referidos são aqueles do panteão romano. A
partir da proposta do bispo de Hipona, entretanto, a mesma perspectiva foi
aplicada à interpretação de todo o conjunto de divindades adoradas nos
contextos politeístas com os quais os cristãos entraram em contato, como fica
evidente no recorrente recurso ao modelo agostiniano nos textos medievais.
13 “Non sunt dii, maligni sunt spiritus, quibus aeterna tua
felicitas poena est.” Augustinus, 1993, 2. 29: 96-97. “4. Fuerunt etiam et quidam viri fortes aut urbium
conditores, quibus mortuis homines, qui eos dilexerunt, simulacra finxerunt, ut
haberent aliquod ex imaginum contemplatione solacium; sed paulatim hunc errorem
persuadentibus daemonibus ita in posteris inrepsisse, ut quos illi pro sola
nominis memoria honoraverunt, successores deos existimarent atque colerent.
(...) Ergo simulacra vel pro eo quod sunt similia, vel pro eo quod simulata
atque conficta; unde et falsa sunt.” Isidorus, 1982, VIII. 11: 4-6,
718-720.
14 “Ibi etiam est fons, ubi sacrificia paganorum solent
exerceri et homo vivus inmergi.” Adam de Bremen, 1917a, IV. 26: 257-258.
15 “Solet quoque post novem annos communis omnium Sueoniae
provintiarum sollempnitas in Ubsola celebrari. Ad quam videlicet sollempnitatem
nulli prestatur immunitas. Reges et populi, omnes et singuli sua dona
transmittunt ad Ubsolam, et, quod omni pena crudelius est, illi, qui iam
induerunt christianitatem, ab illis se redimunt cerimoniis. Sacrificium itaque
tale est: ex omni animante, quod masculinum est, novem capita offeruntur,
quorum sanguine deos [tales] placari mos est. Corpora autem suspenduntur in
lucum, qui proximus est templo. Is enim lucus tam sacer est gentilibus, ut
singulae arbores eius ex morte vel tabo immolatorum divinae credantur. Ibi
etiam canes et equie pendent cum hominibus, quorum corpora mixtim suspensa
narravit mihi aliquis christianorum LXXII vidisse.” Adam de Bremen,
1917a, IV. 27: 259–260. A descrição dos sacrifícios aparece também no scholion
141 (137): “Novem diebus commessationes et eiusmodi
sacrificia celebrantur. Unaquaque die offerunt hominem unum cum ceteris
animalibus, ita ut per IX dies LXXII fiant animalia, quae offeruntur. Hoc
sacrificium fit circa aequinoctium vernale.” Adam de Bremen,
1917a, IV. 27: 260.
16 “Preterea recitatum est nobis alias plures insulas in eo
ponto esse, quarum una grandis Aestland dicitur, non minor illa, de qua prius
diximus. Nam et ipsi Deum christianorum prorsus ignorant. Dracones adorant cum
volucribus, quibus etiam litant vivos homines, quos a mercatoribus emunt,
diligenter omnino probatos, ne maculam in corpore habeant, pro qua refutari
dicuntur a draconibus.” Adam de Bremen, 1917a: IV. 17: 244.
17 Sobre o
papel da lei natural na concepção de Adam de Bremen em vistas do paganismo é
significativo apontar para sua descrição da Islândia, onde, ainda antes da
cristianização, havia um respeito à lei natural, de modo que os moradores se
aproximavam em suas práticas religiosas ao cristianismo. “De quibus noster metropolitanus inmensas Deo gratias
retulit, quod suo tempore convertebantur, licet ante susceptam fidem naturali
quadam lege non adeo discordabant a nostra religione.” Adam de Bremen,
1917a, IV. 36: 273.
18 “Ubi tunc rex Oleph apud Bircam generale populi sui habuit
placitum. Quem preveniente misericordia Dei ita placatum invenit, ut ex a eius
imperio et populi consensu et iactu sortis et ydoli responso ecclesia ibidem
fabricata et baptismi licentia omnibus concessa sit.” Adam de
Bremen, 1917a, I. 26: 31-32.
19 “Reges habent ex genere antiquo, quorum tamen vis pendet in
populi sentencia; quod in commune omnes laudaverint, illum confirmare oportet,
nisi eius decretum potius videatur, quod aliquando secuntur inviti.”
Adam de Bremen, 1917a, IV. 22: 252-253.
20 “Omnia, quae aguntur inter barbaros, sortiendo faciunt in
privatis rebus; in publicis autem causis etiam demonum responsa peti solent,
sicut in Gestis sancti Ansgarii potest agnosci.” Adam de Bremen, 1917a, IV. 22: 252-253.
21 “Narrant eum aliqui christianum fuisse, quidam
christianitatis desertorem; omnes autem affirmant peritum auguriorum,
servatorem sortium, et in avium prognosticis omnem spem suam posuisse. Quare
etiam cognomen accepit, ut Olaph Craccaben diceretur. Nam et artis magicae, ut
aiunt, studio deditus omnes, quibus illa redundat patria, maleficos habuit
domesticos eorumque deceptus errore periit.” Adam de Bremen,
1917a, II. 40: 100-101.
22 “Suein interfecto Craccaben duo regna possedit. Ipse igitur
mox destructo ritu ydolatriae christianitatem in Nortmannia per edictum
suscipere iussit. Tunc etiam Gotebaldum quendam ab Anglia venientem episcopum
in Sconia posuit doctorem. Qui aliquando in Suedia, sepe dicitur euangelizasse
in Norvegia.” Adam de Bremen, 1917a, II. 41: 101.
23 “Haec tulimus excerpta ex scriptis Einhardi de adventu,
moribus et supersticione Saxonum, quam adhuc Sclavi et Sueones ritu paganico
servare videntur.” Adam de Bremen, 1917a, I. 7: 9.